Ritinha,
moça prendada e de bons modos, nunca se interessara por homens ou por qualquer
outra coisa que não fosse a vidinha simples que levava. De uma inocência
extraordinária, que não via maldade nos olhos famintos dos homens quando
seminua se atirava no rio e depois secava seu corpo esbelto na prainha.
Era,
sem dúvida, a jovem mais desejada do vilarejo. Todos os bons partidos a
disputavam, todas as mulheres a invejavam, e de todas as que a invejam,
Florinda era a mais cruel. Era de uma obsessão avalassadora, queria o mal à
menina, e, não descansaria enquanto não a visse caída em desgraça na sua honra.
Dissimulada fazia-se de sua melhor amiga.
À
noite conversavam, eram confidentes. Florinda, contava suas experiências, seus
toques e avanços com os rapazes, apimentava as situações, com exagero, ora para
estimular a companheira, ora para arrancar-lhe algum segredo. Ritinha apenas
ouvia... Espantava-se com audácia da amiga que já tinha ido tão longe, sentia
nojo de algumas coisas, fechava os olhos, se via naquelas situações e dizia:
“Que horror!!!”
Florinda
vivia empurrando pretendentes para Ritinha. Escolhia a dedo os piores
possíveis: aqueles que só a simples companhia já a deixariam mal falada; os mal
intencionados, que fatalmente a levariam para um mau passo; os
insignificantes, que se a possuíssem a reduziriam a sua própria
insignificância; os cafajestes, os desqualificados, os fracassados,
todos, não poupava nem os afeminados. Quanto maior a vergonha, melhor. Ritinha,
muito mais por desinteresse no assunto do que por desdém, declinava a todos.
A
megera não sabia o que de fato mais lhe incomodava, se era a beleza infindável
de Ritinha ou aquele seu jeito pueril de donzela. Os olhos amendoados, verdes
como o campo na época das chuvas, os longos cabelos negros cobrindo-lhe os
ombros, o corpo escultural da menina que desabrochara numa bela morena, de
pernas torneadas, busto firme e seios pontiagudos, de uma silhueta invejável,
magra e formosa. E tinha aquele sorriso doce e sincero, de uma honestidade
escandalosa, seus gestos espontâneos, sua voz suave, a total falta de malícia,
nas intenções, nas palavras, na conduta. Toda tão certa, tão lídima, tão pura,
tão sem graça!!!
Mas,
era mulher, iria cair em tentação um dia. Mais cedo ou mais tarde, cairia na
lábia de algum conquistador ordinário, ficaria entorpecida de paixão e de
desejo, se entregaria aos prazeres da carne, fornicaria, de forma estúpida e
vulgar. Florinda esperava com ansiedade por esse dia, vigiava cada passo, cada
olhar e cada gesto da pobre donzela, buscando pistas de seu desvirtuamento.
Até
que um dia percebeu um suspiro de Ritinha. Um leve descompasso na respiração, e
por fim um suspiro, incomum na moçoila, só podia ser coisa de paixão, de amor
mesmo!!! Pôs-se a espreita, pegaria a danada com a boca na botija...
Mas
não seria tão fácil como imaginava, Ritinha já dissimulava gestos e sorrisos,
tinha uma malícia quase imperceptível, pesava as palavras, continha os olhares,
disfarçava, ninguém além de Florinda, que já estava de tocaia, se deu conta da
mudança de comportamento da moça.
Percebeu
que o corpo e os modos da rival mudaram. Ritinha exalava sensualidade, “Estava
no cio, a cadela!!”, maldizia Florinda com seus botões. “Já conheceu algum
homem, eu garanto! Ah, se eu descubro quem é o fornicador!!!”. Deixar as claras
o defloramento de Ritinha e revelar o nome do sedutor, seria a glória. “É
casado!! Tomara que seja!!!!”
Mas,
a rotina da coitada não mudara em nada, a menina só tinha seus afazeres de casa
e os estudos como obrigação, a Igreja, como devoção e, jogos infantis como
distração. Não bebia, não fumava, não se dava as conversas e nem aos
fuxicos... Era entediante acompanhar aquela mórbida vida de menina sonsa.
Contudo, a certeza de que teria êxito na intentada motivava a caninana a se
manter na Tocaia.
Reparou
que Ritinha se demorava por mais tempo na igreja, depois que todos saiam, ainda
ficava alguns minutos, vinte no máximo, depois saía, junto com o Padre Aurélio,
elogiando a homilia, e ainda, que levava mais tempo nas confissões. Desconfiou
destes intervalos, e por isso, não desgrudava da amiga no final das missas.
Uma
vez, Ritinha avisou que ficaria para a confissão, Florinda disse “Tudo bem!” e
que voltaria para a casa, porém, escondeu-se no fundo da nave da igreja.
Ritinha ajoelhou-se diante do confessionário e se pôs a desfilar seus pecados
ao Padre Aurélio, Florinda ouvia: “Só coisas bobas, não renderiam nem três ave-marias,
parecia listinha de pecados de menina que ia fazer a primeira comunhão,
nada comprometedor, aff...”
De
repente, Ritinha se levanta e ao invés de cumprir a penitência adentra o
confessionário. Florinda se aproxima e ouve gemidos lascivos. Eufórica, abre a
porta do confessionário, e lá está Ritinha, com os seios, a descobertos,
acoplados aos dedos do padre, que a mantinha sentada em seu colo, com as coxas
expostas, enquanto se beijavam, entre caricias e espasmos frenéticos.
Florinda
mal pode conter a emoção, estava disposta a sair gritando pelo povoado o que
acabara de vê. Iria chamar a atenção de todos, desmascarar aquela fingida,
acabar com a falsa donzelice de Ritinha. Seu sangue ferveu e lhe subiu a cabeça
de tanta excitação, ficou corada.
Correu
para o Largo e começou a chamar Ritinha de todos os sinônimos que a palavra
meretriz possa ter. As pessoas se aproximavam e a cascavel, descreveu com uma
riqueza exuberante e sórdida, os detalhes da cena que presenciara.
Padre
Aurélio e Ritinha saíram da Igreja envergonhados, porém
amparados um pelo outro em um abraço. Os olhares da assistência penetravam como
lanças afiadas. Corajosa, Ritinha segurava as lágrimas e o Padre devolvia a platéia
os olhares de acusação.
Ritinha,
confrontado a falsa amiga, lhe diz apenas: “O teu castigo há de ser maior
que o meu...”
Padre
Aurélio foi transferido para outra paróquia bem distante e por anos, nenhum
outro padre apareceu por lá. Foi então que começou a época das assombrações: Na
estrada, uma bola de fogo seguia e assustava os viajantes, na mata, uma mula
sem cabeça soltando fogo pelas ventas, assustava os caçadores.
Um
dia, pela manhã bem cedinho, o corpo de Florinda foi encontrado sem vida na
cama. Teve uma morte estranha, estava deitada de bruços e a cabeça totalmente
virada para cima, como se alguém lhe tivesse torcido o pescoço.
Dizem
que nas noites de lua cheia, durante o sono a cabeça de Florinda se deslocava
do corpo se transformando em fogo fátuo e saia flutuando pelos campos e
estradas. Acham que alguém, sabendo da maldição, colocou o corpo dela no
sentido contrario enquanto a cabeça passeava.
De
Ritinha, não se teve mais notícias, desaparecera completamente depois do
escândalo. Falam que ela se transformou na mula sem cabeça, e, que se algum
valoroso cavalheiro conseguir quebrar o encanto, aproximando-se o suficiente
para ferir a besta com um galho até que sangre, terá o eterno amor da mais bela
sertaneja que já existiu naquele lugar...
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