O causo que vou
contar agora, apesar da estranheza dos acontecimentos, se deu umas daquelas
pequenas cidades do interior do Brasil, onde as tradições se mantêm com grande
intensidade e a fé, nos santos, nos milagres e nas promessas, permanecem por
gerações.
Nas procissões as
crianças se vestem de anjos e imitam o olhar devotado dos mais velhos, brincam
de correr por entre as nuvens e de segurar na mão de Nossa Senhora.
Os pais, orgulhosos,
por verem seus filhos repetirem, ás vezes a contragosto, os costumes que por
gerações lhes foram transmitidos, ajoelham-se e renovam as promessas: “Paro ano
é o meu caçula que vem de anjinho de Nossa Senhora...” e pronto, a tradição
será mantida.
E promessa não tem
medida. Se pede o que se quer e se promete, conforme a graça, o que vier na
cabeça.Daí, a criatividade do devoto e a benevolência do santo é o limite.
O presépio da
paróquia é um costume tão antigo, que parece que nasceu com a própria cidade.
Na época do advento, toda a comunidade se reúne, junta a palha, e o monta ali,
no meio do largo da matriz, o enchendo de luzes e fitas coloridas, e a cada ano
tinha que ficar mais bonito e enfeitado.
As imagens de barro
no centro representavam a cena da Natividade. Eram miniaturas de no máximo
cinqüenta centímetros, e na manjedoura, na noite do natal seria colocada a
imagem do Menino Jesus, esta majestosa, esperava dentro da igreja, num pequeno
altar armado na sacristia. Foi assim que surgiu um costume próprio das crianças
do local.
Depois da missa matinal,
as crianças iam até a sacristia conversar com o menino Jesus. Bom, ele também
era criança e as entenderia melhor que os outros santos, que eram adultos e não
saberiam bem essas coisas de crianças. Nessas horas faziam suas promessas,
pediam o brinquedo que queriam ganhar no natal, que os pais parassem de brigar,
pra passar de ano, pra irmã mais velha deixar de ser chata, para ficar rico,
inteligente e bonito, quando crescer, etc.
A paga das promessas
também foi consolidada pelo costume. Na noite de natal, após a Missa do Galo, o
pároco ia até presépio e colocava a imagem do menino Jesus na manjedoura do
presépio, as crianças se aproximavam e o enchiam de boizinhos, vaquinhas e
cordeiros de barro, papelão ou de madeira, e, conforme a graça alcançada e a
criatividade das crianças, variavam o tamanho, cores e acabamento dos animais.
Ocorreu que em certo
natal, quando as crianças se dirigiram à sacristia encontraram o altarzinho
vazio, procuraram o pároco que de nada sabia. Foi um alvoroço em toda a paróquia,
ninguém tinha explicação para o sumiço do menino Jesus.
A festa do natal
estava ameaçada, muitas crianças não entenderiam uma providencial substituição
da imagem do menino Jesus, afinal de contas foi
diante daquela imagem que fizeram suas promessas, se colocassem outra no
lugar não estaria certo.Promessa é promessa, não se pode fazer arranjo.
A noticia se espalhou
por toda cidade, e os pais faziam de tudo para que as crianças não soubessem do
desaparecimento da imagem, ao pároco não restou alternativa senão procurar a
autoridade policial.
O delegado chegou com
sua equipe e isolou o local do crime, foi feita uma minuciosa perícia, mas
nenhuma pista poderia solucionar o caso, tendo em vista que muitas pessoas já
haviam estado ali.
O motivo do crime
também era um mistério, a imagem não tinha nenhum valor econômico, era uma
daquelas miniaturas de porcelana facilmente encontradas em qualquer loja de
variedades. A única alternativa era se acaso alguém intentasse sabotar a festa
do Natal, mas quem faria uma maldade dessas...
Não havia outro
jeito, teriam que substituir a imagem do menino Jesus. A notícia se espalhou rápido e, como muitas
crianças já estavam sabendo, não havia de ser diferente.
Durante a missa do
galo os pais se comoviam com o olhar desolado das crianças, lamentavam
profundamente o sumiço da imagem, alguns não se continham, praguejavam contra o
desalmado que fez essa monstruosidade.
Na homília, o pároco
aproveitou a situação para lembrar aos fieis o verdadeiro sentido do uso das
imagens, que nada mais são do que mera representação daqueles que, com seu
exemplo, nos inspiram na fé a seguir a vontade de Deus, e lembrou
as crianças: “ Meninos, aquele menino Jesus,que ficava lá na sacristia, era só
uma peça de porcelana, não era com ele que vocês conversavam, era com o menino
Jesus, que mora no coração de vocês...” e assim foi o sermão, que se passou
entre choros e soluços.
Encerrada a Missa do
Galo, o pároco se dirigiu até o pequeno presépio armado na praça da matriz
levando nas mãos a imagem substituta do menino Jesus. As crianças acabrunhadas
o acompanharam trazendo consigo suas oferendas, os pais enternecidos seguiam
com os olhos o pequeno cortejo.
No momento em que o
padre ia colocando a imagem na manjedoura, chega um menino correndo de
bicicleta e pede licença. O menino todo suado e bufando sem parar, devido ao
grande esforço pra chegar a tempo, se aproxima do presépio e coloca um pequeno
objeto na manjedoura.Era o menino Jesus
desaparecido.Então pediu desculpa a todos e se explicou:
“É que eu pedir com
tanto fervor, para o menino Jesus pra eu ganhar uma bicicleta no Natal, que quando
fui agradecer, não me contive de tanta felicidade e convidei ele pra dá uma voltinha...”
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