quarta-feira, 1 de junho de 2016

SAUDADES.*




SAUDADES.

Pai, um dia o senhor me contou que a sua primeira recordação, de “quando se entendeu por gente”, foi a de estar vestido de uma camisola branca, que de tão longa o fazia tropeçar na bainha os seus pés descalços. Que estava de pé, em frente a porta da casa de seus pais, lá no interior.

E assim, foi a sua vida...

Vestiu-se de branco com o seu jaleco e o usou enquanto teve forças. Fez de sua profissão um sacerdócio, e sempre esteve de prontidão para atender os mais necessitados.

Tropeçou as vezes, porque tropeçar faz parte do caminho.

Fez da alegria a sua marca e marcou a todos nós com o seu sorriso, que hoje tem o nome de “saudade”.

Me lembro das madrugadas em que, quando de longe ouvia o som das matracas e pandeirões, me colocava em seu ombro, segurava as mãos do meu irmão e ia seguindo a toada até encontramos a brincadeira. E foi assim que aprendi a valorizar as coisas da nossa terra.

Me lembro também de outra madrugada, em que me acordou e abriu a janela, só para vê uma estrela que brilhava de forma singular. Um brilho intenso, que nunca esqueci e desde então passei a prestar mais atenção no céu.

Não quero falar de faltas, de dor ou de ausências. O amor é maior do que tudo, é maior do que nossas escolhas, e é só o que fica, é o que ninguém pode tirar de nós.

Hoje, sei que estás diante da porta de entrada da morada do Pai, com vestes brancas e pés descalços, despojado de todas as amarras do mundo material.

Leva as nossas orações e nosso perdão, que a Nossa Senhora lhe guie e interceda em seu favor e que Deus tenha misericórdia de sua alma e lhe dê a absolvição de seus pecados. É o nosso desejo sincero que Jesus Cristo o receba de braços abertos no paraíso.


*Carta de despedida ao meu pai, lida na missa de sétimo dia.