quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

OS PASSAGEIROS.



Viajando sozinho a noite na BR 135, minha missão, entre outras coisas, era levar um carro adquirido por amigo, de São Luis para Teresina. O carro era um PASSAT 72, totalmente reformado e modificado, o chassi original foi comprado em um ferro velho, ainda estava intacto, apesar de ter sido vendido após um grave acidente.
Já havia passado de Peritoró quando o rádio ligou sozinho em alguma estação local que só tocava aquelas canções melosas dos anos setenta, procurei outra estação e esta só tocava disco’70. O rádio voltou sozinho para a primeira estação.
Achei estranho, todavia não quis pensar no assunto. A estrada estava escura e chovia muito. Tinha que me concentrar na direção. Os caminhões passavam em alta velocidade jogando luz alta. Outro veículo se posicionou atrás de mim e pediu ultrapassagem, foi quando reparei no retrovisor alguma coisa diferente no meu semblante. Talvez por causa da escuridão meus olhos, que são verdes, pareciam castanhos e, tive a impressão de que minhas sobrancelhas estavam mais grossas e meu rosto mais corado...
Em um instante me vi sozinho na estrada, nenhum carro vindo em nenhum sentido da rodovia, apenas os meus faróis amenizavam a escuridão da estrada. Foi quando ouvi pela primeira vez... Parecia, no início, com um miado de gato. Não me incomodou.
Já na terceira vez eu tinha certeza, era um choro de bebê e vinha do banco traseiro. Já assustado espiava pelo retrovisor, não via nada além daqueles olhos que não eram os meus.
Com os nervos a flor da pele, desliguei o rádio e ele ligou de novo e, para minha surpresa vozes femininas, de dentro do carro acompanhavam as canções. Eu já estava para lá de assustado, contudo as coisas só iriam piorar. Atrás de mim, ouvi duas crianças disputando um brinquedo. Foi quando olhei diretamente para trás pela  primeira vez...
Por trás do banco do carona vinham uma adolescente de uns quinze anos, longos cabelos negros e trajando uma blusa rendada a moda dos hippies, segurava um bebê no colo, enquanto olhava para a vidraça e continuava cantando, atrás de mim dois meninos entre quatro e sete anos brigavam por um “Falcon”, um daqueles bonecos de ação da “Estrela”.
“Querido, preste atenção na estrada”- disse a voz feminina ao meu lado.
“Não se preocupe, meu amor!!!- respondi  instantaneamente, sem pensar. E foi sem pensar mesmo, pois estas palavras se quer se passaram em minha mente.
A mulher, ao meu lado, no banco do carona, aparentava ter mais de trinta anos, era bonita e me olhava com ternura e familiaridade. De uma forma estranha, também a vi com uma velha conhecida. Mais estranho ainda, é que eu deveria está apavorado, afinal de contas, aquelas pessoas não eram deste mundo. Porém, sentia uma espécie de alívio por estarem ali.
“Quem são vocês???” pensei em perguntar. A mulher apenas percebeu minha inquietação e perguntou: “O que houve querido?”. “Nada.” Respondi outra vez involuntariamente.
Percebi que ela me olhava, mas não via a mim. É como se houvesse outra pessoa no meu lugar, dirigindo o automóvel. Me dei conta, de  repente, que não era eu que devia está ali, que eu era o intruso. Olhei para o retrovisor, e aqueles olhos estranhos estavam lá, no lugar dos meus.
Foi quando aconteceu. Logo depois da curva um caminhão ultrapassando um carro de passeio, invadiu a minha pista e veio em alta velocidade em nossa direção. Os faróis do caminhão iluminaram todo o interior do carro e gritos pavorosos entoaram em minha cabeça.
Atravessei o caminhão como se fosse feito de fumaça, o carro derrapou e fui parar no acostamento. Olhei para trás e vi que os meus passageiros, estavam de pé na beira da estrada. A adolescente com o bebê no colo e a mulher segurando a mão das duas crianças. Sai do carro, não me importando nem com o medo nem com a chuva e fui de encontro a eles.
“Perdão!!!”, a palavra me veio involuntariamente a boca. Olhei para o chão, e vi sob os pés daquela família, cinco cruzes, daquelas que a gente vê o tempo todo na beira das estradas. Senti os olhos marejados, apesar da chuva.
Soube mais tarde, pelo meu amigo que adquiriu o veículo, que quase uma família inteira havia perdido a vida naquele carro, num grave acidente naquele mesmo ponto da estrada. Apenas o pai sobrevivera, vindo a falecer anos depois.
Retornei para o carro para continuar a viagem. Liguei o motor e acendi os faróis. Um senhor de aparentemente uns sessenta anos apareceu na minha frente. Este se aproximou da janela do carro e com um sinal me pediu para baixar o vidro.
Tinha os mesmos olhos que eu via no retrovisor, apenas com o semblante um pouco mais envelhecido. Sorriu  para mim e me disse em um tom sincero.

“Daqui para frente, que só Deus lhe acompanhe...”