terça-feira, 3 de janeiro de 2017

BARBÁRIE NÃO É JUSTIÇA.



Fui assaltado próximo a cabeceira da ponte do São Francisco. O meliante passou por mim, me escolheu como vítima e retornou para me abordar. Encostou uma faca enferrujada no meu braço, o que resultou em um corte superficial pois a manga da camisa impediu que a lesão fosse mais profunda. Mas, era o meu anjo da guarda estava de plantão e no mesmo instante um carro parou metros a frente e um homem saiu atirando para cima e rendeu o assaltante. Era um policial, do tipo que honra sua farda, estava indo para se apresentar no trabalho em seu carro particular, viu a situação e poderia simplesmente ter ignorado, mas lembrou de seu dever.
O policial deitou o assaltante no chão, enquanto um outro cidadão que desceu de outro veículo trouxe uma amarra de plástico para algemá-lo. Apenas alertei os dois que o criminoso escondia a faca nas costas. A partir desse ponto a história começa a ficar bizarra.
Uma dezena de motoqueiros parou ao lado e com seus capacetes na cabeça começou a agredi com chutes e pontapés o assaltante. O policia pede calma e tenta deter os motoqueiros, enquanto um grupo de trabalhadores de uma obra se aproxima com cabos de aço na mão e dão uma surra com estes no bandido, e ameaçavam enforcá-lo na ponte O policial já demonstrava aflição, quando um dos motoqueiros me perguntou:
-TU NÃO VAI DÁ NEM UM SOCO NELE???
Muita coisa se passou na minha cabeça, como o fato de saber que o único rosto que o ladrão lembraria seria o meu, de ter que responder processo por participar de uma chacina, e de que aquilo não era certo e nem a melhor coisa a fazer. Respondi apenas: “O cara já está muito machucado, não preciso fazer isso.”Nesse momento o assaltante olhou diretamente para mim.
O linchamento continuou, o policial com a farda toda amarrotada se esforçava para impedi o pior. Sabia que no final das contas ele seria prejudicado. Para a sua salvação passou uma viatura no sentido contrário da pista.Vendo que o bandido estava sendo agredido, os policiais da viatura gritaram que não podiam parar e que teriam que fazer o retorno  no Centro, no que levaram mais de meia hora...
Quando chegaram foram logo pegando o meliante do meio da turbe enlouquecida e deram o corretivo de sempre. O primeiro policial pediu que eles assumissem a responsabilidade pela prisão e disse que arranjaria uma desculpa pelo atraso e por está com a farda amarrotada quando se apresentasse no comando.
Fui na viatura sentado no banco de trás ao lado assaltante para fazer exame de corpo delito no Socorrão. Conversei com ele, dando aquele sermão do tipo,”Cara,o que tu está fazendo de tua vida,etc,etc.” No Socorrão, assisto uma cena meio nonsense, fui atendido por um médico garotão cercado por cinco jovens enfermeiras, num clima total de balada, parecia que eu tinha descido de paraquedas no site de gravação de algum filme erótico. O médico para agravar a situação do assaltante atestou um corte de dez centímetros de profundidade no meu braço.
Eu sabia que mais cedo ou mais tarde aquele assaltante estaria de volta ás ruas. Através de conhecidos da policia monitorei todas as movimentações dele até quando foi liberado três meses depois para responder o processo em liberdade. Processo no qual foi inocentado, posto que foi acusado de roubo (e não da tentativa) e o crime não se consumou, pois ele não conseguiu subtrair nada de mim.
Três anos depois, eu me encontrava em um comercio da vizinhança que freqüento sempre, quando um rapaz bateu em meus ombros e perguntou: “Está lembrado de mim???”, Eu, que sou péssimo fisionomista, não fazia a menor ideia de quem se tratava...Ele se apresentou: “Sou o cara  que te assaltou naquele dia...Desculpa aí, eu usava muita droga naquela época...e mais uma coisa, eu queria te agradecer por que tu me considerou,  tu não quis me bater...” O cara antes de sair ainda alertou: “ Fica tranqüilo, eu nunca mais vou mexer contigo...” e de fato, certa vez me vi sozinho na rua, vi um suspeito se aproximar, reconheci que era ele, ele apenas me cumprimentou e seguiu seu caminho.
Agora, fico imaginando: Como seria um final da história, se eu tivesse entrado na onda e dado uns socos no assaltante????



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