“Pai, por que chamam este prédio de
“Palácio das lágrimas?”
Estavamos na esquina da Rua da
paz com a Rua treze de maio, em frente ao casarão antigo, que fica defronte a
Igreja São João, onde hoje funciona a Faculdade de Odontologia, que é conhecido
por esse nome devidos as diversas histórias
que contam sobre este sobrado.
Havia chuviscado um pouco, então me aproveitei
para ilustrar a situação e encher a cabeça de meu filho de fantasias. Fomos até
a escadaria da entrada do prédio e mostrei para ele as gotículas espalhadas pelos degraus.
“Vê isso aqui? São lagrimas,
lagrimas que nunca secam.”
Ele me olhou com desconfiança.
“É sério, isso faz parte de uma
maldição.”-complementei.
Meu filho, que adora ouvir histórias,
principalmente quando sou eu que as conto, fingiu acreditar e mostrou logo
interesse.
“Uma maldição, adoro história assombradas.”
Comecei então pela história mais
adocicada que conhecia, só para ver a
reação dele.
“Bom, era uma vez, uma menina que
morava neste casarão, filha de um rico fidalgo que se apaixonou por um de seus
jovens escravos. Quando o pai soube lhe deu uma surra daquelas e proibiu o
namoro. A menina sentou bem aqui nesses degraus e chorou por horas. Quando o pai
a chamou para entrar, ela lançou a maldição: ‘Meu amor vai viver para sempre, e
enquanto ele viver estas lágrimas não secarão.’ Então ela continuou
sentada, no mesmo lugar, dias e noites, sem dormir e sem comer, até que morreu.
Fim!!!
“Pô, pai!!! isso não tem nada de
assombrado, parece história de princesa...mostrou decepção. Achei graça.
“Tá bom, vou te contar uma outra história, talvez desta tu gostes mais...
“Só quero é vê!!!”- me desafiou.
“Então aí vai. O dono dessa casa
possuía um monte de escravos, dentre eles havia
uma escrava muito jovem e muito bonita, que atraia os olhares de todos e
despertava fortes paixões. Um outro escravo se apaixonou por ela mas esta rejeitou o seu amor. Inconformado e cheio de ciúmes, o
apaixonado bolou um terrível plano de vingança: colocou veneno
nas refeições que foram servidas aos filhos do fidalgo e deixou o frasco
escondido debaixo do travesseiro da bela escrava. Assim que o frasco foi
encontrado, a pobre foi acusada pelos assassinatos e condenada a forca. Ela jurou inocência e de nada
adiantou. Enquanto era arrastada para fora do casarão, pediu piedade aos orixás de seu povo e rogou uma praga ao
descer em prantos pela escadaria: “Pelo
tempo em que não for descoberto o
verdadeiro culpado, estas lágrimas jamais
secarão’.Fim”
“Ah!, essa até que foi
melhorzinha, mas nem um pouco assustadora!!!”
“Tu quer ficar sem dormir essa
noite? Então tá! Saiba que aí dentro se
houve gemidos e gritos horrorosos de
pavor, tanto faz se for de dia e ou de noite (senti minha própria ironia,
afinal estavamos em frente ao prédio da faculdade de odontologia, onde os
alunos tinha aulas práticas com cobaias voluntários, e de fato se ouviam mesmo
os tais gemidos e gritos, não de terror, mas de dor mesmo). Vamos lá, entremos,
vasculhamos todos os cômodos e se tiver algum fantasma de plantão agora, pode
ser que ele mesmo te conte uma história bem mais assustadora..”-falei fingindo
seriedade.
Ele riu, mas achou melhor não
arriscar.
“E fantasma lá sabe contar
história, eles só querem assustar a gente!!! Não tem outra que seja assustadora
de verdade?”
Tinha sim. Mas essa, eu estava
guardando para o final.
“Olha, aqui já funcionou a
“Escola Modelo”, os alunos ficavam apavorados quando era semana de provas...”
“Que Chaaaato!!!”- protestou.
“Escuta essa: aqui já morou um
português chamado Jerônimo de Pádua, ele
e o irmão vieram para o Brasil para fazer fortuna. Enquanto ele
enriquecia com o tráfego negreiro e outras atividades, o irmão não obteve sucesso e continuou pobre. Jerônimo tinha como amante uma de suas
escravas e com ela teve vários filhos. Sabendo que os seus sobrinhos
não seriam considerados herdeiros
do pai, pela condição de escravo que
possuíam, o irmão de Jerônimo tramou a sua
morte para herdar sozinho sua fortuna. Após o crime, herdou, não só a fortuna do irmão, obteve também como propriedade a
mulher deste e os sobrinhos que passaram a ser seus escravos. O tio usurpador impunha maus tratos exagerado
a família do irmão falecido. Porém, um dos sobrinhos descobriu a verdade e, indignado, arremessou o crápula por uma destas janelas e este morreu instantaneamente. O sobrinho foi condenado a morte e enforcado em frente ao sobrado, dizem que
ainda hoje se vê o espírito dele dependurado
naquela árvore ali,- apontei.-
momentos antes de sua morte lançou a maldição sobre o
prédio: ‘“Muitas lágrimas foram derramadas nessa casa por mim e pela minha família e elas jamais secarão e por toda
eternidade, esse sobrado será conhecido como palácio das lágrimas.”
“Legal, dessa aí eu gostei, mas posso
fazer uma pergunta?”
Uma pergunta, quando se está
contando uma história para uma criança é algo muito delicado e elas sempre vão
aparecer, faz parte do processo, então...
“Pode sim.”
“Pai, essa maldição só acontece
nos dias de chuva?”
Para perguntas obvias tenha
sempre na mão uma resposta abstrata:
“Meu filho, esta ilha é cheia de
mistérios...”
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