sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

O RAPTO DO MENINO JESUS


O causo que vou contar agora, apesar da estranheza dos acontecimentos, se deu umas daquelas pequenas cidades do interior do Brasil, onde as tradições se mantêm com grande intensidade e a fé, nos santos, nos milagres e nas promessas, permanecem por gerações.
Nas procissões as crianças se vestem de anjos e imitam o olhar devotado dos mais velhos, brincam de correr por entre as nuvens e de segurar na mão de Nossa Senhora.
Os pais, orgulhosos, por verem seus filhos repetirem, ás vezes a contragosto, os costumes que por gerações lhes foram transmitidos, ajoelham-se e renovam as promessas: “Paro ano é o meu caçula que vem de anjinho de Nossa Senhora...” e pronto, a tradição será mantida.
E promessa não tem medida. Se pede o que se quer e se promete, conforme a graça, o que vier na cabeça.Daí, a criatividade do devoto e a benevolência do santo é o limite.
O presépio da paróquia é um costume tão antigo, que parece que nasceu com a própria cidade. Na época do advento, toda a comunidade se reúne, junta a palha, e o monta ali, no meio do largo da matriz, o enchendo de luzes e fitas coloridas, e a cada ano tinha que ficar mais bonito e enfeitado.
As imagens de barro no centro representavam a cena da Natividade. Eram miniaturas de no máximo cinqüenta centímetros, e na manjedoura, na noite do natal seria colocada a imagem do Menino Jesus, esta majestosa, esperava dentro da igreja, num pequeno altar armado na sacristia. Foi assim que surgiu um costume próprio das crianças do local.
Depois da missa matinal, as crianças iam até a sacristia conversar com o menino Jesus. Bom, ele também era criança e as entenderia melhor que os outros santos, que eram adultos e não saberiam bem essas coisas de crianças. Nessas horas faziam suas promessas, pediam o brinquedo que queriam ganhar no natal, que os pais parassem de brigar, pra passar de ano, pra irmã mais velha deixar de ser chata, para ficar rico, inteligente e bonito, quando crescer, etc.
A paga das promessas também foi consolidada pelo costume. Na noite de natal, após a Missa do Galo, o pároco ia até presépio e colocava a imagem do menino Jesus na manjedoura do presépio, as crianças se aproximavam e o enchiam de boizinhos, vaquinhas e cordeiros de barro, papelão ou de madeira, e, conforme a graça alcançada e a criatividade das crianças, variavam o tamanho, cores e acabamento dos animais.
Ocorreu que em certo natal, quando as crianças se dirigiram à sacristia encontraram o altarzinho vazio, procuraram o pároco que de nada sabia. Foi um alvoroço em toda a paróquia, ninguém tinha explicação para o sumiço do menino Jesus.
A festa do natal estava ameaçada, muitas crianças não entenderiam uma providencial substituição da imagem do menino Jesus, afinal de contas foi  diante daquela imagem que fizeram suas promessas, se colocassem outra no lugar não estaria certo.Promessa é promessa, não se pode fazer arranjo.
A noticia se espalhou por toda cidade, e os pais faziam de tudo para que as crianças não soubessem do desaparecimento da imagem, ao pároco não restou alternativa senão procurar a autoridade policial.
O delegado chegou com sua equipe e isolou o local do crime, foi feita uma minuciosa perícia, mas nenhuma pista poderia solucionar o caso, tendo em vista que muitas pessoas já haviam estado ali.
O motivo do crime também era um mistério, a imagem não tinha nenhum valor econômico, era uma daquelas miniaturas de porcelana facilmente encontradas em qualquer loja de variedades. A única alternativa era se acaso alguém intentasse sabotar a festa do Natal, mas quem faria uma maldade dessas...
Não havia outro jeito, teriam que substituir a imagem do menino Jesus. A notícia se espalhou rápido e, como muitas crianças já estavam sabendo, não havia de ser diferente.
Durante a missa do galo os pais se comoviam com o olhar desolado das crianças, lamentavam profundamente o sumiço da imagem, alguns não se continham, praguejavam contra o desalmado que fez essa monstruosidade.
Na homília, o pároco aproveitou a situação para lembrar aos fieis o verdadeiro sentido do uso das imagens, que nada mais são do que mera representação daqueles que, com seu exemplo, nos inspiram na fé a seguir a vontade de Deus, e lembrou as crianças: “ Meninos, aquele menino Jesus,que ficava lá na sacristia, era só uma peça de porcelana, não era com ele que vocês conversavam, era com o menino Jesus, que mora no coração de vocês...” e assim foi o sermão, que se passou entre choros e soluços.
Encerrada a Missa do Galo, o pároco se dirigiu até o pequeno presépio armado na praça da matriz levando nas mãos a imagem substituta do menino Jesus. As crianças acabrunhadas o acompanharam trazendo consigo suas oferendas, os pais enternecidos seguiam com os olhos o pequeno cortejo.
No momento em que o padre ia colocando a imagem na manjedoura, chega um menino correndo de bicicleta e pede licença. O menino todo suado e bufando sem parar, devido ao grande esforço pra chegar a tempo, se aproxima do presépio e coloca um pequeno objeto na manjedoura.Era o menino Jesus desaparecido.Então pediu desculpa a todos e se explicou:

“É que eu pedir com tanto fervor, para o menino Jesus pra eu ganhar uma bicicleta no Natal, que quando fui agradecer, não me contive de tanta felicidade e  convidei ele pra dá uma voltinha...”