quinta-feira, 22 de maio de 2014

O “BEBUM” E A CARRUAGEM ENCANTADA.



Madrugada de quinta para sexta, noite de lua cheia, Nhá Jansen, toda espevitada, sai em seu pavoroso coche fantástico em busca de almas desavisadas para amaldiçoar. Fez o seu itinerário de sempre pelas principais ruas do centro histórico de São Luis, passou na Fonte do Ribeirão para dá um olá e jogar uns camundongos para amiga Serpente Encantada das galerias subterrâneas, ao encontrar a colega de assombração, reclama da vida, ou da morte, sei lá...
“O negócio está ficando difícil nem uma viva alma, isso é que é uma maldição...”
A serpente consola:
“Que isso pequena, hum, deixa de besteira. O povo mudou paras as bandas do São Francisco, mas tem sempre um esquecido das festanças zanzando por aí.
“Só vendo colega, só vendo...”
E não é que do nada, como se alguém tivesse falado o nome do diabo, que ele apareceu... Lá vinha a “vítima” cambaleando e tropeçando na calçada, descendo a Rua dos Afogados. Com um sorriso largo, de orelha a orelha mesmo, a maldita partiu no encalço do infeliz.
Vamos por partes: para quem ainda não sabe da missa o terço, Nhá Jansen, é Ana Jansen ou Donana, que em vida era Ana Joaquina Jansen Pereira, famosa matriarca do tempo do Ronca, que ficou conhecida como a “Rainha do Maranhão”, famosa pelo poder político que conquistou, por histórias envolvendo retratos, pinicos e fezes, e por ser perversa e exageradamente cruel no trato com os escravos. Há que diga que isso foi só intriga da oposição.
O fato, que nos interessa no causo em questão, é que por conta de suas maldades com os cativos, a mesma foi alvo de uma terrível maldição: depois de tanto usar os negros como tapete para não sujar seus sapatos de linho europeu na lama maranhense; de jogar os condenados num poço cheio de lanças afiadas, e; de arrancar com alicate os dentes de uma negra formosa, que por azar atraiu com seu sorriso a atenção de um fidalgo preferido da madame (que de modo singelo elogiou a arcada dentária da negra despertando o ódio e  inveja da broaca), bateram um tambor para ela lá para as bandas da Praia Grande...
A maldição consistiu numa condenação eterna: sua alma penada pela eternidade vagaria pelas ruas de São Luis em uma carruagem encantada, o coche sinistro seria puxado por uma pareia de cavalos que ao invés de cabeças teriam fogo nas fuças e conduzida por um escravo decapitado. Ao se deparar com algum incauto, oferece ao coitado uma vela acesa, na manhã seguinte a mesma se transforma em osso de defunto e a vítima, com dores, alucinações e febres, definha enfurnada em uma cama até a morte.
Mas, com o passar dos anos o ofício de assombrar ficou penoso para as criaturas das trevas do Maranhão: o povo se mudou do centro histórico, as histórias foram esquecidas, as crianças só querem saber de vampiro, lobisomem e zumbi, essas assombrações do cinema. Dizem até que tem outra aí querendo ser “Rainha do Maranhão”, desse jeito ninguém pode ser amaldiçoada, já deu o que tinha que dá...
O homem subia a Rua dos afogados, canbaleando, em direção a Praça Deodoro. Pronta para o bote, Donana pensava: “É hoje que eu cumpro minha sina!!!”. Aproximou-se e, pela janela da carruagem ofereceu a vela maldita. O homem de supetão, puxou um charuto do bolso do paletó e acendeu na vela. “Brigado, pela delicadeza” agradeceu. Nhá Jansen, atônita, murmurou: “Era só o que me faltava...”
Tinha lá os seus sessenta anos, bêbado de dá dó, o paletó encardido e amassado, não via sabão e ferro de engomar a anos. Os cabelos grisalhos pareciam um ninho de japim escorrendo de sua cabeça, orelhas e nariz agigantados, assim como os dedos das mãos, tinha a pele escura, mais de fato não era negro, “um mestiço” (desdenhou a amaldiçoada). Larga, em um sorriso de lábios anêmicos, a boca quase desprovida de dentes exalava mais álcool que um alambique, fétida como carniça, enojou até a mais ilustre das defuntas.
Uma idéia diabólica se apossou de Donana, iria se divertir com aquele mentecapto e depois amaldiçoá-lo. Toda assombração tem direito a um “relax”, um divertimento, pensou. Então ofereceu ao Pé de Cana uma carona em seu coche infernal.
Os cavalos com fogaréu nas ventas, o cocheiro decapitado, o estranho aspecto da carruagem e o voz tenebrosa da Sinhá, nada, nem de longe intimidou ou chamou a atenção da vítima. Ana Jansen estava perplexa. Resolveu se apresentar:
“Sou Ana Jansen, a Rainha do Maranhão!!!”
“Clementino, a seu dispor, Vossa Majestade!!”
Incrédula perguntou:
“Você nunca ouviu falar de mim???”
“Sua alteza me desculpe, sou gente simples, vim da roça, não conheço nada e ninguém da realeza... Mas, respeito!!!”
Agora essa, como assombrar um sujeito que nunca soube de sua existência, vai que a maldição não pega, vai ser um desperdício de vela desconjurada. O coche foi seguindo, pela Rua do Passeio, rumo a Praça da Saudade. Nhá Jansen resolve “dá uma real” no sujeito.
“Olha aqui meu rapaz, a coisa é séria, a tua batata está assando!!!, Eu vim do mundo dos mortos e vou levar tua alma!!!!”
O bêbado engatou um gargalhada constrangedora. Ana Jansen batia o pé com os olhos faiscando de raiva.
“Eu lá sou de acreditar em assombração, essa coisa de fantasma é história para boi dormir!!!”
Nhá Jansen mordia os lábios com ódio e desespero.
“Eu vou levar tua alma para o quinto dos infernos!!!”
“Minha alma quem leva sou eu!!!”- desafia o bêbado.
Vendo que o coche parava em frente ao “Cemitério do Gavião”, Clementino desceu, mandou uma “banana” para Nhá Jansen, atravessou os portões que estavam fechados, como em um passe de mágica, e sumiu transformando-se em fogo fátuo sobre uma sepultura.
A Rainha do Maranhão esbraveja:

“Que coisa, quanto mais eu rezo mais assombração me aparece!!!!”