SAUDADES.
Pai,
um dia o senhor me contou que a sua primeira recordação, de “quando
se entendeu por gente”, foi a de estar vestido de uma camisola
branca, que de tão longa o fazia tropeçar na bainha os seus pés
descalços. Que estava de pé, em frente a porta da casa de seus
pais, lá no interior.
E
assim, foi a sua vida...
Vestiu-se
de branco com o seu jaleco e o usou enquanto teve forças. Fez de sua
profissão um sacerdócio, e sempre esteve de prontidão para atender
os mais necessitados.
Tropeçou
as vezes, porque tropeçar faz parte do caminho.
Fez
da alegria a sua marca e marcou a todos nós com o seu sorriso, que
hoje tem o nome de “saudade”.
Me
lembro das madrugadas em que, quando de longe ouvia o som das
matracas e pandeirões, me colocava em seu ombro, segurava as mãos
do meu irmão e ia seguindo a toada até encontramos a brincadeira. E
foi assim que aprendi a valorizar as coisas da nossa terra.
Me
lembro também de outra madrugada, em que me acordou e abriu a
janela, só para vê uma estrela que brilhava de forma singular. Um
brilho intenso, que nunca esqueci e desde então passei a prestar
mais atenção no céu.
Não
quero falar de faltas, de dor ou de ausências. O amor é maior do
que tudo, é maior do que nossas escolhas, e é só o que fica, é o
que ninguém pode tirar de nós.
Hoje,
sei que estás diante da porta de entrada da morada do Pai, com
vestes brancas e pés descalços, despojado de todas as amarras do
mundo material.
Leva
as nossas orações e nosso perdão, que a Nossa Senhora lhe guie e
interceda em seu favor e que Deus tenha misericórdia de sua alma e
lhe dê a absolvição de seus pecados. É o nosso desejo sincero que
Jesus Cristo o receba de braços abertos no paraíso.
*Carta
de despedida ao meu pai, lida na missa de sétimo dia.